Eu não sou o Chico de Assis

Não

Nós não somos o Fernando Peixoto

Não

Eu não sou o Abdias do Nascimento

Não

Eu não sou a Renata Pallottini

Não

Nós não somos a Consuelo de Castro

Não

Eu não sou a Leilah Assumpção

Não

Nós não somos a Heleny Guariba

Não, eu não sou

E também nunca cantei

Quem me conhece sabe que isso é verdade

Essa geração que admiramos tanto e 

que nos possibilitou a possível liberdade que temos hoje

É a geração do Canto

Já nós nascidos pós década de 60, 70, 80, 90, 2000, 2010, 2020…

Nos restou o GRITO

Vivemos a transição do canto ao grito

É como se Dionísio estivesse no exílio

Há anos estamos vivendo o seu exílio

Tem uma imagem linda

Que mostra que quando Dionísio se exila

No fundo do mar

Toda a terra que está acima do mar

Seca

“ Esse mundo merece um não.”

“Viver hoje é negar tudo o que a burguesia oferece,

Inclusive o que é bom.”

“Não existe a possibilidade de arte dentro do sistema capitalista.”

“A esmola é o preço da culpa.”

“A liberdade é uma prática que só se realiza no coletivo.”

“A velhice é a saudade de mim mesmo.”

“Os outros que falem mal da arte eu devo tudo a ela.”

“O artista(a)(e) é quem registra o tempo da história.”

“O teatro tem o tempo do amor.”

“E o nosso grito é um grito de esperança.”

Esse texto, além dos meus escritos, trás memórias, citações e emoções de vários artistas(es) que passaram pelo nosso caminho desde que nos debruçamos a malhar o couro do texto  “Um Grito Parado Ar”. É dedicado a Marilda Alface, Rodrigo Mercadante,  Gianfrancesco Guarniere e aos meus amigues de arte, desta e de outras jornadas, ao público que nos acompanha, única razão de existirmos e que me abraça com a alma cuidando de mim para que eu nunca deixe de acreditar no teatro, na arte e no outro(a)(e). Aos meus parceires de Teatro do Osso, a quem larguei tudo e todes, nesses últimos 6 anos, me agarrando só ao Osso na busca de uma só coisa: a amizade.   (LEIA MAIS!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!)

E em especial a todes os artistas(es) que estão tristes da alma:

“Sim, O Amigo ama o amigo como eu te amo

Vida misteriosa, não importa

Na dor, no prazer, não importa

Tristeza e alegria

Eu te amo

Eu te amo

Eu amo até a sua ferocidade

E se quiser me aniquilar, me arranco dos teus braços

Como um amigo se arranca dos braços de um amigo(…)”

Há anos venho trabalhando com diversos coletivos de teatro e nos últimos 5 anos percebo que de cada dez pessoas, pelo menos seis, estão machucados(as)(es) da alma.

Flechados no que nos move ao canto

Flechados no que nos move a dança

Flechados no que nos move a imaginação

Flechados no que nos move a amizade

Flechados na inspiração que nos leva a um ato utópico

Esse estado de dor pode até servir como já tivemos muitas vezes na história

Na feitura de obras lindas,

Na composição de uma música, um poema, pintar um quadro, etc.

Mas ao teatro, a essa arte essencialmente coletiva, a que pode servir?

Como Dioniso, estamos exilados no fundo do Mar.

Há um grito parado no ar

E o que esse grito está pedindo da gente?

“Quem souber de alguma coisa

Venha logo me avisar

Sei que há um céu sobre essa chuva e um grito parado no ar”

Essa é uma peça sobre a arte

Essa é uma peça sobre o teatro

Essa é uma peça sobre artistas(es)

Há um consenso entre os(as)(es) artistes

De que o(a)(e) artiste é um ser solidário(a)(e)

Mas se o(a)(e) artiste é um ser solidário(a)(e)

Por que não faz arte para os que necessitam?

A solidariedade não está com as (es) (os) artistes.

A solidariedade está nas ruas,

Com o cidadão, a cidadã comum, ou

Com aqueles que não tem ninguém que rezem por eles.

E esse é o nó, o osso, o grito parado no ar dessa montagem.

Do coro viestes ao coro retornarás, mas nós artistas(es) saímos do coro

Nos tornamos corifeus

Protagonistas

Individualistas

E apartados do nascimento dos nossos

Adoecemos.

Nascemos perfeitos, completos e incompletos

Somos bordados inacabados.

Nascemos regados de suor, sangue, fezes, lágrimas, placentas, choro e riso

Tudo junto.

E esse é o ato fundante

O que deveria ser a referência

Do que é belo

Puro

Potente

Poético

Arrebatador

A origem da poesia

O ritual que deveríamos retornar a vida toda

O sangue

As lágrimas

A porra

O óvulo

As fezes

O nascimento

A origem da poesia.

Mas nem acabamos de nascer e a única preocupação dos que vivem, é afastar o mais rápido possível esse ser da sua origem

Do germe poético e humano(a)(e) do nascimento

E viver se torna o se afastar a cada dia da origem da poesia.

E esse é o nosso maior equívoco.

Aquilo que aparta, distingue, seleciona, individualiza 

e nos faz acreditar em coisas como capacidade e talento.

Uma sociedade que se torna cada vez mais um triste teatro injusto e mal feito.

Mas se a sociedade é um teatro mal feito, tosco e burguês

Qual arte nos cabe fazer? Nós, artistes de teatro.

“O teatro está morto! Viva O teatro!!!”

Um teatro que tenha como protagonistas o Coro?

Um teatro que assim como a vida assuma a sua efemeridade e tenha a humildade de assumir a sua finitude e seus limites?

Um teatro que retorne ao seu nascimento? A origem da poesia?

Um teatro que passe a limpo a história desse país?

No seu conteúdo, na sua forma, no seu modo de produção e que principalmente coloque nas suas temáticas e em cena como seus intérpretes e idealizadores os verdadeiros(as)(os) (es) artistes desse Brasil, ou seja: O Povo

Um teatro que tenha União, seja Popular e que tenha os Olhos Vivos. Salve TUOV!

Se esse passo for dado, iniciaremos a cura, não estaremos mais doentes, Dionísio sairá do Exílio e junto com ele, Nós.

Por isso, hoje cantamos e Marilda Alface dança:



produção / realização