SALA 06
FLORA
O GRITO MUDO
PÍLULA EDUCATIVA
Wilma Elena como Flora (2021)
Cena Flora
“Não podemos ter medo. Não podemos ter medo do açoite, não podemos ter medo da bala! Eles não vão viver alimentados do nosso medo.
A gente tem que lembrar dos nossos. A gente tem que lembrar dos mortos, porque esse é o trabalho dos vivos. E esse trabalho não é um trabalho perdido.”
Débora Maria da Silva, em discurso para o filme “Apelo” (2014)
O GRITO MUDO
por João Victor Toledo
Nesta cena, Flora é a mãe de todas as pessoas que tiveram suas vidas abreviadas por regimes autoritários. Imbuída de um amor imperecível, ela nos remete imediatamente à figura de Nossa Senhora e nos lembra também de outras tantas personagens inesquecíveis, como as matriarcas de Lorca e Jorge Andrade, e de atrizes como Anna Magnani e Lélia Abramo, a primeira Romana de Eles não usam black-tie. Flora não é uma mulher do nosso tempo, é uma sabedoria antiga passada de geração em geração, o eco nas paredes de um teatro em decomposição que resistirá a ele.
Flora é o gesto imortalizado pela esposa de Brecht, Helene Weigel, a primeira Mãe Coragem, que, após ser forçada pelos soldados a reconhecer o corpo do filho morto, se vira para a plateia e traduz, num grito mudo, a incapacidade de se vocalizar tamanha dor e injustiça. É como Sophie, personagem interpretada por Meryl Streep no filme A Escolha de Sofia, que também grita em silêncio ao ver a filha ser levada à morte por soldados nazistas.
Flora é mais uma entre as centenas de mulheres de pé nas enormes filas em frente às penitenciárias, entre as milhares atiradas sobre os caixões dos filhos mortos nas chacinas Brasil afora. É a mãe que viverá “até o dia em que retornem todos e façam a maior algazarra e comam toda a minha sopa.”
AS MÃES CORAGEM
por Vive Almeida
Flora é uma mãe que perde seu filho pisoteado em um ataque violento da polícia. Quantas vezes essa história se repetiu? Quantas vezes ela ainda se repete? Quantas vezes deixaremos que ela se repita? O desafio então era imaginar onde essa história se daria hoje… não foi muito difícil de imaginar. Ela está no morro, nas ruas distanciadas dos grandes centros.. Ela está no interior das comunidades onde o extermínio é velado e a ditadura ainda não acabou.
A segunda pergunta que não saía da mente era: Quem são as Floras de hoje? Por conta do trabalho em uma exposição de arte em 2014, pude conhecer a potência de mulher que é a Débora da Silva, mãe integrante do Movimento Mães de Maio. Naquela ocasião Débora fazia seu “Apelo” em uma vídeo-performance, repetindo inúmeras vezes que “não podemos nos esquecer de nossos mortos, que temos que bradar os nomes deles, que eles não são pessoas desaparecidas, porque eles existem enquanto seus nomes puderem ser ouvidos e repetidos por nós.”
A figura de Débora, de todas as Mães de Maio e também as Mães da Praça de Maio nos fazem refletir sobre o destino que os filhos que lutaram ou que fizeram parte de um momento importante da nossa história estão encontrando em nossos países. Refletir sobre Flora, Helene, Débora e todas as nossas mães é refletir sobre o futuro das nossas escolhas, é refletir sobre nossa própria história e sobre quais são os nomes que você vai escolher ao recontá-la a quem ainda não nasceu.
Relembrar a história dessas mulheres na cena e aqui, nessa exposição, me faz entender mais uma vez por que escolhi o caminho da arte para dar o grito que tantas vezes fica preso em minha garganta… e que dessa vez espero que não seja mais “Um Grito Parado no Ar”…
Vive Almeida e Débora Maria da Silva.
POEMA PARA DEBORA
Existem as que vieram antes de mim
Existem as que vieram antes de você
Existem as que vieram antes de nós
Este é para elas, para nós
A boca que beija é a mesma que prova a sopa
O braço que dá colo é o mesmo que torce a roupa
A barriga que gera é a mesma que se molha no tanque
A mão que afaga é a mesma que limpa o sangue
Na minha memória fica seu Apelo
Nos meus dias, fiz dele o meu desejo
No meu trabalho realizo o Ato de Gritar
E quem sabe um dia a sociedade “Pare de nos Matar”
e resolva nos escutar.
Vive Almeida, maio de 2021